olhar versus sorriso
Sempre gostei de observar o mundo à minha volta, sobretudo as pessoas, e desde que comecei a entusiasmar-me pela actividade do sketching noto claramente que tudo começa no olhar.
Olhar com olhos de ver é um requisito necessário para melhor registar no papel e guardar na memória.
Olhar com olhos de ver carece de atenção plena, e essa concentração meditativa tem um efeito terapêutico, zen.
Também é o olhar que distingue o fotógrafo.
O olhar da Gioconda, tal como o sorriso, é especial. Os seus olhos fixam os nossos mas, ao invés de transmitir qualquer tensão, parecem compassivos.

sábado, 26 de março de 2016

Teus filhos

Logo no início da adolescência comecei uma fase tumultuosa do relacionamento com os meus pais que durou muitos anos e definiu algum do meu percurso, para o bem e para o mal.
Infelizmente não me recordo de os sentir como porto seguro ao qual podia voltar após as minhas aventuras ou desventuras. 
Muito preocupados tornavam-se demasiado controladores. 
Cheios de tabus e preconceitos enraizados, pretendiam ser muito revolucionários e modernos mas só em teoria. 
Intelectualmente podiam admirar os livres pensadores mas na prática não toleravam espíritos livres que os confrontassem e pusessem em causa o seu status quo, o que era inevitável numa sociedade em rápida transformação na década de setenta e oitenta. 
Quiseram dar-me as respostas formatadas mas não me incentivaram a fazer as perguntas importantes, não me transmitiram a segurança que permite pôr tudo em causa, filosofar.
A necessidade de me libertar do seu jugo fomentava uma luta interior entre o dever e o querer, atrofiando os meus horizontes.

Na altura o meu grito de revolta, o meu hino, era uma prosa poética de Kahlil Gibran:

Teus filhos não são teus filhos,
são filhos e filhas da vida
anelando por si própria.
Vêm através de ti, não de ti, e, embora estejam contigo, a ti não pertencem.
Podes dar-lhes teu amor mas não teus pensamentos
porque eles têm seus pensamentos próprios.
Podes abrigar seus corpos mas não suas almas,
pois suas almas residem na casa do amanhã
que não podes visitar sequer em sonhos.
Podes esforçar-te por te pareceres com eles
mas não procures fazê-los semelhantes a ti,
pois a vida não recua e não se retarda no ontem.
Tu és o arco do qual teus filhos, como flechas vivas, são disparados.
Que a tua inclinação na mão do archeiro seja para a alegria.




Quando mãe não me esqueci, não me tornei hipócrita.
Criei as minhas filhas de forma completamente diferente da que eu própria fui criada.
Teci laços de afectos e procurei ensinar-lhes as ferramentas para serem pessoas livres, fortes, seguras e autónomas.
No nosso caso a fórmula liberdade com responsabilidade funcionou bastante bem.

Cada vez mais, acho que os pais não têm direitos sobre a vida dos filhos.
Só desejo que as minhas meninas consigam viver o seu projecto de vida e sejam felizes. 
Que saibam e sintam que as amo incondicionalmente.
É quanto basta, creio eu.


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